domingo, 29 de julho de 2012

15. Hospital ou hotel?

– Eu até passaria em frente ao hospital para você ver, mas não acho uma boa ideia. Ele é tão feinho!

Alguns dias antes de minha cirurgia, minha mulher comentou com um taxista sobre minha cirurgia, falou também sobre o hospital que meu plano atendia e meu médico também. Foi quando ele disse a frase acima.

Nem preciso dizer o quanto fiquei preocupado. Já não bastava a cirurgia, agora teria que pensar também na qualidade do hospital. Pior, depois que marcamos o procedimento neste hospital, descobri que meu plano também cobria cirurgias em um hospital muito mais respeitado. Mas meu médico ainda não estava cadastrado lá, teríamos que esperar algum tempo até tudo ser feito.

Felizmente tive uma luz, fui ao hospital. Na verdade, nem entrei, só passei em frente. E gostei muito do que vi. Limpo, bonito, organizado, a frente do hospital impressionava bastante bem. Fiquei mais tranquilo, se é que "tranquilo" era uma palavra boa para o momento.

Vamos então à cirurgia. Meu pai, morando no interior, chegou para me acompanhar. Uma amiga de minha mulher, muito querida e companheira, disse que faria questão de estar no quarto no dia. Quatro pessoas no quarto, além de mim!

Chegou o dia, pegamos um taxi a uma quadra de casa. Quando eu entrava no carro, o dono da banca de jornal em frente fez um sinal de boa sorte - ele simulou um abraço. Fiquei muito contente. Ele soube de meu caso porque alguns dias antes eu havia conversado com a mulher dele, que também teve hidrocefalia - que mundo pequeno! Ela teve implantada uma válvula havia 20 anos e estava muito bem!

Chegamos ao hospital e aquela sensação que havia tido do lado de fora se confirmou: parecia até um hotel. Recepção de primeira, serviços excelentes, ótimas instalações. E os funcionários, de uma simpatia enorme. Por incrível que pareça, cheguei até a gostar de estar ali naquele momento.

Subindo até o quarto, a sensação de hotel ficou ainda maior: frigobar, tv a cabo, serviço de quarto. Até uma nutricionista veio ver o que eu gostava de comer. Aliás, comida era algo que eu queria muito naquele dia. Em jejum desde o momento que acordei, minha fome aumentava a cada instante. Mesmo na iminência de uma cirurgia no cérebro, eu estava com fome. Seria nervosismo? Ansiedade?

Serviço de quarto no hospital
 Pressão e temperatura medidas, camisola vestida, perguntas de praxe respondidas (doenças anteriores, medicamentos usados, alergias...), pré-anestésico tomado - a hora chegou. Lá fui eu, deitado, levado em uma maca, até uma sala preparatória. E apaguei!

Soube depois que meu pai teve uma crise enorme de choro assim que saí do quarto. Não era para menos, não é todo dia que temos um filho fazendo uma cirurgia no cérebro. Embora ninguém tocasse no assunto, na cabeça de todos estavam os riscos possíveis daquela cirurgia:

  • AVC, por conta de sagramentos imprevistos;
  • Meningite, causada por eventual inflamação da meninge;
  • E até morte, por que não dizer, afinal era uma cirurgia!
Confesso, eu tinha dois cenários comigo. O primeiro, de sucesso, em que tudo daria certo e eu voltaria a minha vida normal. Até já havia marcado compromissos para o mês seguinte. E fracasso, em que eu saíria em estado vegetativo do hospital. Não falei isso com ninguém. Ninguém falou sobre isso comigo. Mas todos pensávamos nisso!

Na próxima semana, conto o que aconteceu nas horas seguintes.




sábado, 21 de julho de 2012

14. Medicina oriental

Como é difícil tomar uma decisão. Data da cirurgião se aproximando, terapeuta propondo métodos alternativos, restava ainda a esperança de uma nova consulta, provavelmente a última antes da cirurgia. Será que encontraria uma solução diferente?

Era um médico jovem, de origem japonesa, formado em medicina tradicional, mas praticando também medicina alternativa. Ele fez valer sua formação tradicional: perguntou sobre minha saúde, doenças na infância, quis ver meus últimos exames (sangue, fezes, coração, próstata e - claro - as ressonâncias de crânio). Felizmente eu havia levado tudo, tinha ido à consulta para de fato encontrar alguma solução.

O exame foi completo, o médico auscultou meu coração, mediu minha pressão, analisou meu fundo de olho, mediu a acidez em minha boca, verificou até meus testículos. Tal profissionalismo aumentou muito minha confiança, eu estava no lugar certo, com o médico certo.

Detectando tensão em minha mão (doia bastante quando ele apertava), espetou uma agulha em meu corpo e perguntou:

– Diminuiu a dor?

Não é que tinha diminuído! Ele apertava minha mão e não doia mais. Fiquei ainda mais confiante, estava até começando a acreditar em acupuntura!

Encerramos o exame, ele concluiu de forma muito honesta e coerente - para meu espanto, surpresa e frustração:

– Acredito que eu possa ajudá-lo, mas sinto que você já se decidiu pela cirurgia. Vou receitar então um probiótico para diminuir sua acidez no estômago. Não é bom entrar em uma cirurgia com este grau de acidez. E poderei ajudá-lo depois da cirugia!

Fui embora, frustrado. A caminhada até meu carro foi difícil, talvez por estar alterado emocionalmente, talvez pela hidrocefalia se fazendo notar cada vez mais. É, não havia encontrado nenhum milagre alternativo! Ali mesmo, na rua, decidi: vamos à cirurgia!

Ah, o probiótico que o médico receitou era manipulado, faltavam dois dias para a cirurgia, nem me dei ao trabalho de encomendá-lo em algum laboratório, não daria tempo!

No próximo artigo, vamos todos ao hospital, o tão aguardado - e temido - dia havia chegado!



sábado, 14 de julho de 2012

13. Terapia alternativa

Cirurgia marcada, o dia estava quase chegando, muitas dúvidas (seu cérebro vai inverter, disse o médico mais recente), e agora uma sugestão de visitar uma terapeuta. Era a terapeuta de meu irmão, ela poderia ter uma solução menos radical para minha hidrocefalia.

Lá fui eu. O consultório não ficava exatamente perto, demorei mais de uma hora de carro. A sala de espera era muito interessante. Música zen, livros alternativos (acupuntura, Arte da Guerra e até revistas em quadrinhos).

A consulta anterior terminou, escutei a paciente comentar que o filho dela já estava muito melhor, que a terapia havia feito milagres. Fiquei animado. Bom, não exatamente animado, eu estava muito cético para isso, fiquei mais é curioso.

A terapeuta estava com minhas ressonâncias, meu irmão havia levado tudo para ela ver. Ela comentou, muito sensatamente, que pediu para me ver porque não poderia dar opinião alguma antes de uma conversa. Ela precisava me conhecer.

Começamos então uma espécie de terapia mesmo. Falei sobre minha vida, minhas ansiedades, meu jeito de ser e, claro, sobre minha hidrocefalia. Disse que após inúmeras consultas, várias opiniões divergentes, parecia que a ventriculostomia seria a melhor solução para tratar meu problema.

Ela disse que a maoria não acreditava em processos alternativos, mas que já havia curado até um problema cardíaco em um recém-nascido. Eu não sabia se acreditava ou se comemorava.

Ela pediu licença para me examinar fisicamente. Detectou então vários pontos de tensão em meu corpo, fez até um relaxamento em meu pescoço. Foi um tranco e tanto (rs). Bom, o tranco só aconteceu quando ela fez um movimento brusco com minha cabeça em sentido horário, porque no sentido antihorário mostrei total resistência. A tal manobra não me surpreenderia mais, eu estava tenso. Acho que isso nem foi bom, eu deveria ter permitido, mas foi involuntário!

O tratamento foi rápido, ela espetou umas agulhas em mim ... e eu que sempre fui resistente a estas coisas. Puro preconceito, mas certamente eu não estava pronto para isso naquele dia. As agulhas me deixaram muito irritado.


Ao final da consulta, ela disse:

– Se eu tivesse mais tempo, e você quisesse, conseguiríamos resolver seu problema. Você não precisaria fazer a cirurgia!

Pronto, e agora, pensei eu, o que fazer? Cirurgia marcada, autorizada pelo plano de saúde, equipe médica e hospital agendados. O que fazer? Eu precisava pensar. Agradeci a consulta - ela nem cobrou, foi só uma conversa - e fui embora.

A dúvida era atordoante, afinal um procedimento alternativo seria muito melhor, menos arriscado, do que uma cirurgia no cérebro. Nem havia dúvidas quanto a isso. Mas funcionaria?

Parei o carro, liguei para uma prima, pedi ajuda. Ela não sabia o que falar, mas se lembrou de um médico que também usava métodos alternativos - medicina oriental - para tratar alguns casos. O bom é que ele era alopata, formado em uma faculdade tradicional, mas praticava a medicina alternativa. E minha prima frequentava seu consultório regularmente.

Não tive dúvidas. Dali mesmo do carro marquei uma consulta. Mais uma consulta! Nem havia horário para mim, mas acho que fui bem enfático em meus argumentos. Consegui um horário no dia seguinte. No próximo artigo conto o que aconteceu, conto como minhas dúvidas ficaram ainda maiores.


sábado, 7 de julho de 2012

12. Cérebro invertido

A expectativa para a cirurgia que se aproximava era grande. A torcida de todos também! E esta torcida às vezes vinha através da indicação de mais médicos, mais opiniões sobre meu caso.

Minha cunhada ficou sabendo de um excelente neurocirurgião. Especialista, renomado, exercia sua funções no hospital mais reconhecido de São Paulo. Gosto muito de minha cunhada, gosto muito quando ela fala sobre saúde, liguei para marcar a consulta. O valor, como esperado, era altíssimo. E, claro, o médico não trabalhava com meu plano de saúde.

Como eu tinha urgência, a cirurgia estava marcada para alguns dias depois, consegui a consulta no dia seguinte. Lógico, pedi para minha cunhada ir comigo, eu estava muito fragilizado emocionalmente, queria ter alguém para me ajudar a fazer as perguntas e principalmente para analisar as respostas.

Com quase duas horas de atraso - o médico teve uma emergência com um paciente - a consulta começou de forma bem semelhante às outras. Falei de meus sintomas, mostrei minhas ressonâncias e o médico fez os exames de praxe (aperte minha mão, encoste a ponta do dedo no nariz, ande em linha reta...). Disparei então a pergunta que eu queria fazer desde o início:

– Doutor, já estive em várias consultas, foram os mais variados especialistas, parece que tenho dois caminhos a seguir: instalar uma válvula para desvio do fluxo de líquor ou fazer uma ventriculostomia. O que o senhor acha?

Interessante a resposta dele:

Se eu mostrasse sua ressonância para uma pessoa de minha equipe que provavelmente seria o responsável por sua cirurgia, ele optaria certamente pela ventriculostomia. Mas se eu chamasse sua atenção para o quarto ventrículo, que está também com excesso de líquor, talvez ele optasse pela válvula. Seria também minha decisão.

A partir deste ponto a consulta começou a ficar interessante, justamente porque continuei a perguntar:

– Mas doutor, um médico sugeriu fortemente a ventriculostomia. Eu também prefiro este procedimento, seria um processo totalmente fisiológico, não estaria instalando um corpo estranho em meu cérebro!

A reação dele foi inacreditável:

– Você é um daqueles pacientes que têm mania de entender tudo. Não é assim que funciona, eu sou o médico, o paciente deve seguir minha indicação e pronto. É a mesma coisa deste computador aqui (ele aponta para o equipamento - que estava desligado!!!), eu não entendo como ele funciona, mas o utilizo. Não preciso entender, preciso apenas usá-lo! Pacientes deveriam agir assim também, o médico fala e eles aceitam!

Na hora nem pensei em comentar quantos diagnósticos absurdos eu já tinha ouvido até aquele momento, que se eu seguisse os conselhos dos 'especialistas' médicos talvez os resultados não fossem tão bons assim.

Mas o médico não parou. Do alto de sua experiência, quem sabe de sua arrogância, disse:

– Se você fizer um furo no terceiro ventrículo, o liquor que está no quarto ventrículo vai voltar para o terceiro. Haverá uma inversão de fluxo, você terá uma inversão no cérebro! Já parou para pensar nisso?


Fluxo normal do líquor

Nem preciso dizer o quão assustado, melhor dizendo, apavorado eu fiquei. Como assim, inversão de cérebro? Minha cunhada ficou sem palavras. Não sabíamos mais o que fazer. Resolvemos então ir embora!

Na saída o médico ainda reforçou, falando em tom suave:

– Opte pelo procedimento mais seguro!

Era a válvula, claro. Mas eu não queria a válvula, o médico em quem em mais confiei sugeriu a ventriculostomia. Eu QUERIA a ventriculostomia!

No dia seguinte liga meu irmão:

– Falei de seu caso com minha terapeuta. Ela trabalha com métodos alternativos, ela afirma que pode curá-lo!

Pronto, fiquei ainda mais perdido! Mas chega por enquanto, continuo no próximo artigo com minhas decisões e novas consultas, a última. Não, a penúltima! Não, a antepenúltima! É, eu estava mesmo desesperado!